quinta-feira, 5 de julho de 2012

A vez de João Moutinho

  Não se perpetua na memória pelas repetições exaustivas dos seus melhores momentos, porque é impossível reduzir a breves instantes o trabalho de quem passa hora e meia a intervir com saber enciclopédico, perto ou longe da bola, na mira dos holofotes ou desfasado daquilo que as luzes procuram. Não é correto reduzir tanto tempo de jogo a um segundo de inspiração, porque essa é uma visão deturpada e mentirosa da realidade, razão pela qual nem sempre lhe foi feita justiça. Mais relevante ainda para João Moutinho no Euro’2012 foi ter resistido ao protagonismo instantâneo de um momento mau, quando falhou o pontapé da marca de grande penalidade com a Espanha. O tiro no fuzilamento do desempate saiu-lhe pela culatra, cumprindo a profecia do escritor e jornalista brasileiro Armando Nogueira, na genial definição do penálti: “Uma sentença de morte em que o carrasco pode ser a vítima.”

  Dizia-se que a televisão ia acabar com o futebol mas sabemos hoje que não só o salvou como lhe alterou a matriz de avaliação (indústria que envolve paixão) e o eternizou como espetáculo de primeira necessidade (as audiências falam por si). À TV falta calor (gera um ambiente deturpado) e panorama (só permite ver a zona do terreno onde está a bola). Mas reconheçamos que cumpre outros desígnios importantes, como a exaltação dos pormenores de classe e dos golos; dos gestos nobres e das grosserias; da alegria e da raiva – toda a panóplia de acontecimentos que facilita a criação de ídolos. João Moutinho pertence aos jogadores fabulosos que atingiram a excelência invisíveis às câmaras, indiferentes à ditadura da imagem e sem cumprir os requisitos mínimos das perversas leis do mercado.

  É sempre reconfortante assistir ao momento em que um grande jogador ultrapassa a falta de mediatismo e seduz o Mundo pela generosa contribuição para a causa coletiva. Por ser imenso, qualificado, comprometido e talentoso, rebentou com todas as teorias e pôs algumas das maiores potências europeias no seu encalço – incrível como a UEFA o deixou fora dos 23 melhores da grande competição. Não foram as câmaras que, por fim, resolveram apaixonar-se por ele; foi a sensibilidade de quem o viu fazer um Euro deslumbrante e lhe reconheceu méritos que, por superficialidade, nunca antes lhe tinham sido atribuídos. As coisas estão agora no devido lugar. João Moutinho desempenha cada vez mais funções em campo e engana-se cada vez menos; ganhou amplitude de movimentos e fez-lhe corresponder influência ainda maior. É extraordinário vê-lo fazer tudo bem. É absolutamente assombroso que o faça cada vez melhor.

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