Não se perpetua na memória pelas repetições exaustivas dos seus
melhores momentos, porque é impossível reduzir a breves instantes o
trabalho de quem passa hora e meia a intervir com saber enciclopédico,
perto ou longe da bola, na mira dos holofotes ou desfasado daquilo que
as luzes procuram. Não é correto reduzir tanto tempo de jogo a um
segundo de inspiração, porque essa é uma visão deturpada e mentirosa da
realidade, razão pela qual nem sempre lhe foi feita justiça. Mais
relevante ainda para João Moutinho no Euro’2012 foi ter resistido ao
protagonismo instantâneo de um momento mau, quando falhou o pontapé da
marca de grande penalidade com a Espanha. O tiro no fuzilamento do
desempate saiu-lhe pela culatra, cumprindo a profecia do escritor e
jornalista brasileiro Armando Nogueira, na genial definição do penálti:
“Uma sentença de morte em que o carrasco pode ser a vítima.”
Dizia-se que a televisão ia acabar com o futebol mas sabemos hoje que
não só o salvou como lhe alterou a matriz de avaliação (indústria que
envolve paixão) e o eternizou como espetáculo de primeira necessidade
(as audiências falam por si). À TV falta calor (gera um ambiente
deturpado) e panorama (só permite ver a zona do terreno onde está a
bola). Mas reconheçamos que cumpre outros desígnios importantes, como a
exaltação dos pormenores de classe e dos golos; dos gestos nobres e das
grosserias; da alegria e da raiva – toda a panóplia de acontecimentos
que facilita a criação de ídolos. João Moutinho pertence aos jogadores
fabulosos que atingiram a excelência invisíveis às câmaras, indiferentes
à ditadura da imagem e sem cumprir os requisitos mínimos das perversas
leis do mercado.
É sempre reconfortante assistir ao momento em que
um grande jogador ultrapassa a falta de mediatismo e seduz o Mundo pela
generosa contribuição para a causa coletiva. Por ser imenso,
qualificado, comprometido e talentoso, rebentou com todas as teorias e
pôs algumas das maiores potências europeias no seu encalço – incrível
como a UEFA o deixou fora dos 23 melhores da grande competição. Não
foram as câmaras que, por fim, resolveram apaixonar-se por ele; foi a
sensibilidade de quem o viu fazer um Euro deslumbrante e lhe reconheceu
méritos que, por superficialidade, nunca antes lhe tinham sido
atribuídos. As coisas estão agora no devido lugar. João Moutinho
desempenha cada vez mais funções em campo e engana-se cada vez menos;
ganhou amplitude de movimentos e fez-lhe corresponder influência ainda
maior. É extraordinário vê-lo fazer tudo bem. É absolutamente assombroso
que o faça cada vez melhor.
in Record
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